Develop interest in life as you see it in people, things, literature, music - the world is so rich, simply throbbing with rich treasures, beautiful souls and interesting people. Forget yourself. - Henry Miller

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Lisboa em Festa



É no mês de Junho que os bairros de Lisboa saem à rua para festejar os Santos Populares especialmente o mais querido dos lisboetas, o Santo António.
Porém, o desfile anual das Marchas Populares na Avenida da Liberdade no dia 13 de Junho não é só uma celebração. Este desfile faz parte da memória colectiva de Portugal. Basta ver o filme A Canção de Lisboa (1933) de José Cotinelli Telmo, ou o Pátio das Cantigas de Francisco Ribeiro (1942), e percebemos que esta tradição é uma característica importante da identidade colectiva deste país.

A origem das marchas populares

Lisboa é uma cidade muito importante para os portugueses por representar melhores oportunidades de vida. Também assim acontecia na década de 30, época em que as pessoas oriundas de outras cidades do país se juntavam num determinado bairro lisboeta. Assim, nasciam pequenas comunidades com origens em comum que por puro divertimento organizavam ranchos folclóricos.
José Leitão de Barros, considerado o “pai das marchas populares”, foi quem a 5 de Junho de 1932 anunciou o primeiro concurso de marchas populares no jornal Notícias Ilustrado da sua autoria. Esta ideia surgiu a partir de um desafio proposto pelo então director do Parque Mayer, Dr. Campos Figueira de Gouveia, pois era necessário arranjar um espectáculo capaz de mobilizar a atenção dos lisboetas. As colectividades de cada bairro foram convidadas a participar e toda a produção ficou a cargo do Parque Mayer.
A primeira edição das marchas populares teve apenas três bairros a participar: Alto do Pina, Bairro Alto e Campo de Ourique. Venceu a marcha de Campo de Ourique, que vestia trajes minhotos.
Marcha do Bairro Alto de 1950
No dia 5 de Junho de 1932, o Notícias Ilustrado relatava o entusiasmo e a alegria com que os alfacinhas receberam ao primeiro desfile das marchas populares: “Pelo entusiasmo que lavra entre os componentes daquelas colectividades, avalia-se desde já o sucesso formidável que vai ter a revivescência das velhas marchas populares que de cada bairro da cidade nas noites festivas dos Santos populares se encontravam no chafariz da antiga rua Formosa”.
No ano seguinte as marchas populares já tinham doze bairros a participar, cada um com a sua marcha, música, traje, coreografia de acordo com um tema inspirado num costume local ou característica do bairro. As canções eram populares e as suas letras estavam sujeitas a aprovação por parte da autarquia.
Rapidamente, as marchas populares passaram a fazer parte da cidade e  ajudaram, de certa forma, a criar uma identidade inspirada nos aspectos urbanos e no rurais da vida dos lisboetas. Este processo foi apelidado de “folclorização do Estado Novo Português” pelo investigador de História Contemporânea do Instituto de Ciências Sociais, Daniel Melo. Para este historiador as marchas populares são “(…) um exemplo singular de folclorização [que] ambicionam instalar uma tradição lisboeta, mas paradoxalmente recorrem, num momento inicial, a elementos pretensamente folclóricos de proveniência exógena (rural), e só depois reforçam os traços directamente associados à cidade”.
A celebração dos Santos Populares acontece em todo o país, mas foi em Lisboa que as marchas populares surgiram e é nesta cidade que elas continuam até aos dias de hoje.

O bichinho das marchas

Onze anos depois do surgimento das marchas populares de Lisboa, Nelson Pinto desfilava pela primeira vez pela Marcha do Bairro Alto. Foi na barriga da sua mãe, em 1943, que participou nesta tradição alfacinha e ganhou, então, o “bichinho”. “Acho que quando estamos a marchar o espectáculo é lindo!”, afirma Nelson.
Nelson Pinto
Aos vinte e dois anos Nelson voltava a desfilar pela marcha do Bairro Alto após ter sido dispensado da tropa devido aos seus problemas oftalmológicos.  Nelson tem agora 68 anos e é um motorista reformado que passa a maior parte do seu tempo na sede do Lisboa Clube Rio de Janeiro com os seus amigos e um companheiro da marcha.
Em 1965 a marcha do Bairro Alto tinha como tema os ‘Capotes Brancos’. Foi nesta marcha que Nelson se estreou, desta vez consciente do espectáculo que presenciava. “A primeira vez que marchei estava um bocado nervoso. Uns amigos meus acalmaram-me e depois como correu tudo bem, gostei muito. E a minha mãe quando me viu a desfilar ficou muito feliz!”, recorda Nelson.
Em 46 anos Nelson Pinto dedicou 4 meses por ano à marcha do Bairro Alto porque gosta de sentir o orgulho pelo seu bairro. No entanto, Nelson diz ter chegado a altura de deixar de marchar. Ainda assim não quer deixar de viver a noite das marchas. “Este ano já não vou marchar mais, mas vou assistir à mesma e quero ajudar no que for preciso.” Para Nelson as marchas populares dificilmente um dia acabarão, pois Nelson vê a importância desta tradição para os lisboetas e, também, para o turismo de Lisboa.
Desfilar na Avenida da Liberdade foi o desfile que sempre o pôs mais nervoso. “Fico mais nervoso na Avenida, porque está lá mais gente. É o pandemónio.” Quando acaba de desfilar a coreografia que demora apenas 15 dias a aprender, Nelson  vai jantar com os seus amigos e festeja. “Normalmente não espero pelos resultados com os outros. Já estou muito habituado, por isso alguém depois diz-me quem ganhou.”
Perder ou ganhar ou não é importante para Nelson. “O importante é participar, não fico triste se perder. Com tantos anos levo aquilo bem e dou sempre os parabéns aos que ganham. Alguns até são meus amigos, pois já me conhecem há muito tempo.” A modéstia de Nelson levou a Associação responsável pela organização desta marcha a pedir à Câmara Municipal de Lisboa um reconhecimento pelos 46 anos de dedicação altruísta de Nelson à Marcha do Bairro Alto.

2 comentários:

  1. olá,

    onde poderei encontrar a marcha popular "Capotes Brncos"? queri ter uma gravação. Também procuro há anos uma outra marcha chamada "Santa Catarina Passa". Será que me podem ajudar?
    Cumprimentos Rui Costa

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  2. Olá, Rui Costa,

    Muito obrigada pelo seu comentário. Infelizmente, não o posso ajudar com a sua procura, já que não tenho na minha posse nenhuma das marchas que menciona, no entanto, penso que se fizer uma pequena pesquisa e souber a que bairro pertencem as marchas, poderá contactar a Junta de Freguesia desse mesmo bairro. Quando fiz este trabalho foram as Juntas de Freguesia, nomeadamente a do Castelo, que me ajudou a encontrar a coreógrafa, Rita Pereira. Penso que encontrando uma das pessoas responsáveis pelas marchas poderá saber como obter a gravação das mesmas.

    Espero ter ajudado com esta dica.

    Atenciosamente,

    Sofia Mendes.

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