É no mês de Junho que os bairros de
Lisboa saem à rua para festejar os Santos Populares especialmente o mais
querido dos lisboetas, o Santo António.
Porém, o desfile anual das Marchas
Populares na Avenida da Liberdade no dia 13 de Junho não é só uma celebração.
Este desfile faz parte da memória colectiva de Portugal. Basta ver o filme A Canção de Lisboa (1933) de José
Cotinelli Telmo, ou o Pátio das Cantigas
de Francisco Ribeiro (1942), e percebemos que esta tradição é uma
característica importante da identidade colectiva deste país.
A origem das marchas populares
Lisboa é uma cidade muito importante
para os portugueses por representar melhores oportunidades de vida. Também
assim acontecia na década de 30, época em que as pessoas oriundas de outras
cidades do país se juntavam num determinado bairro lisboeta. Assim, nasciam
pequenas comunidades com origens em comum que por puro divertimento organizavam
ranchos folclóricos.
José Leitão de Barros, considerado o “pai das marchas populares”, foi quem a
5 de Junho de 1932 anunciou o primeiro concurso de marchas populares no jornal Notícias Ilustrado da sua autoria. Esta
ideia surgiu a partir de um desafio proposto pelo então director do Parque
Mayer, Dr. Campos Figueira de Gouveia, pois era necessário arranjar um
espectáculo capaz de mobilizar a atenção dos lisboetas. As colectividades de
cada bairro foram convidadas a participar e toda a produção ficou a cargo do
Parque Mayer.
A primeira edição das marchas
populares teve apenas três bairros a participar: Alto do Pina, Bairro Alto e
Campo de Ourique. Venceu a marcha de Campo de Ourique, que vestia trajes
minhotos.
Marcha do Bairro Alto de 1950 |
No dia 5 de Junho de 1932, o Notícias
Ilustrado relatava o entusiasmo e a alegria com que os alfacinhas receberam ao
primeiro desfile das marchas populares: “Pelo
entusiasmo que lavra entre os componentes daquelas colectividades, avalia-se
desde já o sucesso formidável que vai ter a revivescência das velhas marchas
populares que de cada bairro da cidade nas noites festivas dos Santos populares
se encontravam no chafariz da antiga rua Formosa”.
No ano seguinte as marchas populares
já tinham doze bairros a participar, cada um com a sua marcha, música, traje,
coreografia de acordo com um tema inspirado num costume local ou característica
do bairro. As canções eram populares e as suas letras estavam sujeitas a
aprovação por parte da autarquia.
Rapidamente, as marchas populares
passaram a fazer parte da cidade e
ajudaram, de certa forma, a criar uma identidade inspirada nos aspectos
urbanos e no rurais da vida dos lisboetas. Este processo foi apelidado de “folclorização do Estado Novo Português”
pelo investigador de História Contemporânea do Instituto de Ciências Sociais,
Daniel Melo. Para este historiador as marchas populares são “(…) um exemplo singular de folclorização
[que] ambicionam instalar uma tradição lisboeta, mas paradoxalmente recorrem,
num momento inicial, a elementos pretensamente folclóricos de proveniência
exógena (rural), e só depois reforçam os traços directamente associados à
cidade”.
A celebração dos Santos Populares
acontece em todo o país, mas foi em Lisboa que as marchas populares surgiram e
é nesta cidade que elas continuam até aos dias de hoje.
O bichinho
das marchas
Onze anos depois do surgimento das
marchas populares de Lisboa, Nelson Pinto desfilava pela primeira vez pela
Marcha do Bairro Alto. Foi na barriga da sua mãe, em 1943, que participou nesta
tradição alfacinha e ganhou, então, o “bichinho”. “Acho que quando estamos a marchar o espectáculo é lindo!”, afirma
Nelson.
Nelson Pinto |
Aos vinte e dois anos Nelson voltava
a desfilar pela marcha do Bairro Alto após ter sido dispensado da tropa devido
aos seus problemas oftalmológicos.
Nelson tem agora 68 anos e é um motorista reformado que passa a maior
parte do seu tempo na sede do Lisboa Clube Rio de Janeiro com os seus
amigos e um companheiro da marcha.
Em 1965 a marcha do Bairro Alto tinha
como tema os ‘Capotes Brancos’. Foi nesta marcha que Nelson se estreou, desta
vez consciente do espectáculo que presenciava. “A primeira vez que marchei estava um bocado nervoso. Uns amigos meus
acalmaram-me e depois como correu tudo bem, gostei muito. E a minha mãe quando
me viu a desfilar ficou muito feliz!”, recorda Nelson.
Em 46 anos Nelson Pinto dedicou 4
meses por ano à marcha do Bairro Alto porque gosta de sentir o orgulho pelo seu
bairro. No entanto, Nelson diz ter chegado a altura de deixar de marchar. Ainda
assim não quer deixar de viver a noite das marchas. “Este ano já não vou marchar mais, mas vou assistir à mesma e quero
ajudar no que for preciso.” Para Nelson as marchas populares dificilmente
um dia acabarão, pois Nelson vê a importância desta tradição para os lisboetas
e, também, para o turismo de Lisboa.
Desfilar na Avenida da Liberdade foi
o desfile que sempre o pôs mais nervoso. “Fico
mais nervoso na Avenida, porque está lá mais gente. É o pandemónio.” Quando
acaba de desfilar a coreografia que demora apenas 15 dias a aprender,
Nelson vai jantar com os seus amigos e
festeja. “Normalmente não espero pelos
resultados com os outros. Já estou muito habituado, por isso alguém depois
diz-me quem ganhou.”
Perder ou ganhar ou não é importante
para Nelson. “O importante é participar,
não fico triste se perder. Com tantos anos levo aquilo bem e dou sempre os
parabéns aos que ganham. Alguns até são meus amigos, pois já me conhecem há
muito tempo.” A modéstia de Nelson levou a Associação responsável pela
organização desta marcha a pedir à Câmara Municipal de Lisboa um reconhecimento
pelos 46 anos de dedicação altruísta de Nelson à Marcha do Bairro Alto.
olá,
ResponderEliminaronde poderei encontrar a marcha popular "Capotes Brncos"? queri ter uma gravação. Também procuro há anos uma outra marcha chamada "Santa Catarina Passa". Será que me podem ajudar?
Cumprimentos Rui Costa
Olá, Rui Costa,
ResponderEliminarMuito obrigada pelo seu comentário. Infelizmente, não o posso ajudar com a sua procura, já que não tenho na minha posse nenhuma das marchas que menciona, no entanto, penso que se fizer uma pequena pesquisa e souber a que bairro pertencem as marchas, poderá contactar a Junta de Freguesia desse mesmo bairro. Quando fiz este trabalho foram as Juntas de Freguesia, nomeadamente a do Castelo, que me ajudou a encontrar a coreógrafa, Rita Pereira. Penso que encontrando uma das pessoas responsáveis pelas marchas poderá saber como obter a gravação das mesmas.
Espero ter ajudado com esta dica.
Atenciosamente,
Sofia Mendes.