Develop interest in life as you see it in people, things, literature, music - the world is so rich, simply throbbing with rich treasures, beautiful souls and interesting people. Forget yourself. - Henry Miller

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Menino d'oiro


Dorme meu menino, a estrela d’alva/ Já a procurei e não a vi,/ Se ela não vier de madrugada,/ Outra que eu souber será pra ti/ Ô ô ô ô ô ô ô ô ô ô ô ô… Os olhos vão fechando e abrindo, como quem quer resistir ao sono. O calor do leito e o cansaço da infância aliam-se e ganham à consciência. Adormece. Ele continua a cantar a canção de embalar e a olhar a criança adormecida. As memórias invadem o seu pensamento. E lembra-se de quando também ele era um menino.

Domingos Mendes tinha cinco anos quando vivia num bairro de lata em Cascais. Passava o dia a brincar com os outros meninos que lá viviam. O esconderijo das suas brincadeiras eram os espaços livres entre as estacas que suportavam as barracas e o chão. 

Cascais e Lisboa foram as testemunhas das suas aventuras. “Um dia fui-me embora para brincar, lembro-me de andar à procura de autocarros para apanhar boleia. Andei empoleirado atrás dos eléctricos e por lá andei a brincar. Só voltei de madrugada. Quando cheguei a casa o meu pai deu-me com a correia”.  As reprimendas físicas foram frequentes na sua infância, era assim que os seus pais lhe ensinavam o certo e o errado.

Perdeu-se nas memórias e encontrou-se sentado naquela cadeira de madeira. Imóvel e ansioso pela chegada da sua mãe, Maria. Domingos, o menino, esperou todo o dia. À volta da sua perna a linha de costura prende-o à cadeira, de onde não pode sair, está de castigo. “Nós cortamos-te a linha!”, dizem os seus amigos. “Não! Não posso fazer isso senão depois a minha mãe bate-me!”, responde-lhes. “Foi a partir daí que adquiri uma educação tabu.”, pensa enquanto revive aquele dia.

Vi-te a trabalhar o dia inteiro, construir as cidades prós outros, carregar pedras, desperdiçar, muita força pra pouco dinheiro. Vi-te a trabalhar o dia inteiro, muita força pra pouco dinheiro… O seu pai, José, passava muito tempo fora de casa. Saía de manhã cedinho e chegava à noitinha, depois de mais um dia a trabalhar na construção civil. 

Enquanto Salazar tomava conta de Portugal, Domingos não era aceite na escola primária de Cascais. Ainda hoje ouve no seu pensamento a frase da professora: “Se quer que o seu filho vá para a escola leve-o para a sua terra.” Assim, com sete anos Domingos voltou juntamente com a sua mãe para a aldeia que o viu nascer, Benquerença.

No mês de Outubro de 1963 Domingos entrou para a escola primária. “Sempre me senti diferente, era considerado o miúdo dos lados da capital e, penso que, talvez por isso, comecei a faltar à escola.” Depressa Domingos conquistou o seu lugar junto dos colegas devido às suas capacidades desportivas. Jogar à bola passou a ser a forma favorita de passar o tempo e com isso os amigos surgiram.

Em casa Domingos não tinha ninguém que o acompanhasse na escola, por isso, muitas vezes, não fazia os deveres de casa. Faltar à escola foi a solução que Domingos encontrou para fugir às reguadas dos professores. “Às vezes até mandavam outros alunos baterem nos colegas.” 

Na aldeia os seus esconderijos eram as pedreiras de xisto, o material com que as casas da Benquerença eram feitas, e era a igreja, onde ajudava o cónego nas missas mais tardias. O cheiro a cera derretida assalta-lhe os sentidos lembrando-lhe as vezes em que acendeu e apagou as velas da igreja. Era uma brincadeira e uma novidade para ele, pois em sua casa nem velas tinha, usavam apenas candeias de azeite. “Era um ritual que mexia com a minha imaginação”, pensou para si, até admirado por perceber a razão pela qual lá ia. “Cheguei a pensar que assim me safava do castigo. No final de contas estava na igreja, mas não.” “Primeiro a obrigação, depois a devoção”, uma frase de sua mãe que ainda sobrevive na sua mente.

O meu menino é d’oiro, é d’oiro fino. Não façam caso que é pequenino. O meu menino é d’oiro, d’oiro fagueiro. Hei de levá-lo no meu veleiro… De repente, é invadido pelos cheiros e pelos sabores da aldeia da sua infância. Pão de trigo. Era a sua avó que o fazia, sendo esse o seu oficio. Nos dias em que estava com a sua avó materna havia um carinho especial. Junto à arca antiga de madeira da sua avó, ela perguntava: “Que queres comer meu menino?”, “quero trigo!” respondia-lhe o menino de oiro.

Domingos costumava ver dois rapazes da aldeia que estavam no seminário e pensar para si: "Eles são diferentes, são livres!”si: “ Naquele tempo e naquelas aldeias estudar era para os poucos que podiam. Continuar a estudar não era possível, a não ser num seminário. Quando a oportunidade surgiu e lhe perguntaram se ele queria ir para um, Domingos disse que sim. “Lembrava-me daqueles dois rapazes que eram tão admirados na aldeia e eram mais livres do que eu.” A educação tabu da sua infância dava agora frutos, visto que ir para um seminário e a possibilidade de um dia vir a ser padre era algo muito admirado pela aldeia e pelos seus pais.

“Quem quer ir para o seminário?”, perguntou o professor. Depressa todos colocaram o dedo no ar cheios de esperança que assim fosse. “Não tu! Tu baixa o dedo!”, foi a resposta do professor para alguns. “Estava com medo que ele me dissesse isso a mim, mas não disse.”, e, mesmo agora, tantos anos depois, sente o mesmo alívio. Na aula daquele dia um frade dominicano veio falar da vida no seminário e tentar angariar novos alunos para a Ordem Dominicana. “Era uma figura elegante, todo vestido de branco, parecia diferente. Gostei.”, e relembra a primeira impressão que teve de um padre que mais tarde veio a conhecer muito melhor, o padre Rogério.

No final do seu último ano da primária Domingos foi juntamente com mais dez colegas seus para um estágio no seminário dominicano da Aldeia Nova, em Vila Nova de Ourém. Durante esse estágio Domingos teve um vislumbre do que seria a sua vida naquele ambiente: “Fomos tratados como lordes, nunca tinha comido tantas refeições como comi ali. Até à piscina nos levaram”. Mas não foram só actividades lúdicas e brincadeiras. Nessa semana os dez alunos realizaram todos os dias testes psicotécnicos. O objectivo era saber se os alunos tinham as capacidades cognitivas necessárias para levarem uma vida de conhecimento dentro do seminário.

O menino que fugia da catequese e que não tinha feito o crisma por não ter sabido dizer de cor o credo da religião Católica passou nos testes psicotécnicos e, pouco importou para a Ordem Dominicana os rituais religiosos. “Foi realmente extraordinário a maneira como os dominicanos deram apenas importância ao conhecimento”, pensa para si com um misto de orgulho e honra. Assim, o menino de oiro passava agora a seminarista.

Vozes altas e passos atarefados trazem-no de volta à azafama daquele dia em que o enxoval do menino de oiro era preparado. “É preciso três camas!” lia-se na carta que enumerava todas as coisas necessárias para a vida de Domingos no seminário. Levou na mala grande de metal todas as suas roupas de cores neutras, os produtos de higiene, carrinhos de linhas e muitas mais coisas. Ao pensar nas coisas que levou ri-se quando se lembra que aquela foi a primeira vez que teve a sua escova de dentes e o seu próprio sabonete. 

A partir de 1967 Domingos ficou entregue à vida do seminário, pagou vinte escudos por mês durante um ano para lá andar. Domingos integrou-se naquele seminário e desde então os padres responsáveis informaram José e Maria que não tinham de pagar mais mensalidades.

Ganho a camisa, tenho uma fortuna. Em terra alheia, sei onde ficar. Eu sou como o vento que foi e não veio. Maria Bonita, onde vamos morar? Sino de bronze, lá na aldeia. Toca por mim que estou para abalar. E a fala da velha, da velha matreira. Maria Bonita, onde vamos penar? Enquanto o menino de oiro se transformava num rapaz independente, os seus pais partiam na aventura da emigração. Como tantos outros, também José e Maria decidiram tentar outra sorte num outro país que lhes pudesse dar mais do que o pouco que tinham na sua aldeia. 

A sua vida de seminarista foi sempre regrada. Todos os dias e todas as horas estavam programadas conforme a organização do seminário e dos seus responsáveis. As aulas eram dadas pelos frades excepto a algumas disciplinas que era leccionadas por professores externos. As missas não eram obrigatórias. Domingos só fez o crisma alguns anos depois de ter entrado no seminário devido ao encorajamento de um frade cooperador, o Frei Gonçalo, que era de Benquerença. Assim, o Frei Gonçalo foi o seu padrinho do crisma. A igreja do seminário era moderna e a participação na vida civil exterior à Ordem era encorajada. O menino de oiro era livre dentro das regras. No seminário, Domingos jogava à bola e tinha muitas actividades físicas. Também, a etiqueta e a higiene pessoal eram ensinadas lá pelas irmãs dominicanas.

A relação familiar tornou-se longínqua. Domingos visitava os seus pais e irmãos nas férias grandes de Verão, sempre em França, onde estavam todos. No final do seu percurso escolar secundário as notícias más chegam. José, seu pai, tem um acidente grave no seu trabalho que o deixa muito debilitado com necessidade de uma longa recuperação. O menino de oiro deixa imediatamente os seus estudos e fica o tempo necessário em França junto da sua família. Três meses depois o seu pai recupera e Domingos decide voltar ao concelho de Ourém para acabar os seus estudos.

Passou um ano a trabalhar na Aldeia Nova com as crianças abandonadas enquanto estudava à noite no liceu de Leiria. É no Porto que se inicia um novo capítulo da vida de Domingos. Foi lá que fez o seu noviciado. Estudou música e compreendeu melhor a história do fundador da sua ordem religiosa.

S. Domingos de Gusmão foi o fundador da Ordem Dominicana, também conhecida pela Ordem dos Pregadores. Domingos conta no seu pensamento a história que sabe já tão bem: “Conta-se que ele passava noites e noites a discutir com os homens nos cafés a tentar convertê-los e a tentar fazer vê-los através da palavra a fé em Deus e em Cristo.” Quando o menino de oiro estava de volta à sua aldeia e chegava de madrugada a casa era isso que dizia ao seu pai: “Eu sou como o meu fundador. Discuto à noite com os outros sobre as coisas!”

Foi em Fevereiro de 1974 que Domingos despertou para a realidade do seu país. Num retiro orientado pelo Frei Bento, um frade revolucionário que era perseguido pela PIDE, o menino de oiro entendeu, finalmente, que a pobreza e as injustiças que a sua família viveu eram a realidade da maioria das famílias de Portugal.

Manifestação da Geração À Rasca - 12 de Março de 2011
Grândola, vila morena. Terra da fraternidade. O povo é quem mais ordena. Dentro de ti ó cidade… Por isso quando o 25 de Abril chegou o menino sorriu e entendeu o porquê da revolução.

Chegou, também, o dia em que Domingos fez os seus votos de obediência a Deus. Prometeu viver em comunidade, viver na pobreza e no celibato. O menino de oiro tornou-se frade. As conversas intelectuais com os seus amigos frades, os jogos de futebol organizados entre todos e o trabalho com crianças abandonadas e carenciadas preenchia-lhe a vida.

Porém a vida de frade, agora universitário, já não o satisfazia. Lembrou o quanto o desagradava o facto da Universidade Católica, onde estudava Teologia, apenas contar com homens da igreja de uma linha tradicional. Os padres dominicanos, tão abertos às novas ideias e às novas políticas, eram postos de parte. Aquele dia assalta-o, mais uma vez, e vive-o como se fosse ontem. 

A conversa que teve com o Provincial da Ordem Dominicana, o Frei Mateus, foi o último e necessário estímulo que teve para se decidir. Quando ouviu falar em ordenação para padre ele respondeu-lhe logo, “Ainda não quero isso, talvez mais tarde.” Parece estar a ouvir aquelas palavras neste preciso momento: “Mais um! Você veja lá o que anda cá a fazer!” Foi aí que percebeu que já tinha acabado. Pensou no conselho que todos na aldeia lhe tinham dado antes de ir para o seminário: “Se te perguntarem se queres ir para padre, diz que sim!”. Quando se deu conta das palavras já tinham saído da sua boca: “Então, quero a exclaustração.” Enfim duma escolha faz-se um desafio. Enfrenta-se a vida de fio a pavio. Navega-se sem mar, sem vela ou navio. Bebe-se a coragem até dum copo vazio. E vem nos à memória uma frase batida. Hoje é o primeiro dia do resto da tua vida.

Domingos abandonou, assim, a ordem Dominicana por estar insatisfeito com toda a frieza e com todas as indevidas exigências que lhe tentavam fazer. Saiu do Convento, onde vivia em Lisboa, e mudou a sua vida e a sua carreira.

Tocaram a rumba e dancei com ela e num passo maluco voamos na sala, qual uma estrela riscando o céu e a malta gritou: “Aí Benjamim!” Olhei-a nos olhos, sorriu para mim, pedi-lhe um beijo, la la la la la, e ela disse que sim, e ela disse que sim… A mudança chegou rapidamente. O namoro começou num fim de semana de Junho de 1982 na Fonte da Telha. O grupo de jovens do qual era o animador deu-lhe a conhecer uma rapariga especial. Já eram amigos há três anos e foi neste fim de semana que se tornaram companheiros para a vida.

E entretanto o tempo fez cinza da brasa. E outra maré cheia virá maré vaza. Nasce um novo dia e no braço outra asa. Brinda-se aos amores com o vinho da casa. E vem-nos à memória uma frase batida. Hoje é primeiro dia do resto da tua vida... Três anos depois, no dia nove de Março, o menino de oiro casa-se na aldeia que o viu nascer e partir para uma vida religiosa. 

O silêncio do quarto e da criança adormecida é, então, interrompido. “Domingos, vens dormir? Ela já adormeceu?”. Domingos é retirado das suas memórias e decide deixar mais uma vez o menino do bairro de lata, o menino da aldeia, o seminarista e o frade dentro do seu pensamento. Agora é tudo isso e muito mais. A noite passada fui passear no mar, a viola irmã cuidou me arrastar, chegado ao mar alto abriu-se em dois o mundo, olhei para baixo dormias lá no fundo, faltou-me o pé , senti que me afundava, por entre as algas teu cabelo boiava, a lua cheia escureceu nas águas e então falámos, e então dissemos aqui vivemos muito anos.

* Músicas de José Afonso e Sérgio Godinho

domingo, 15 de abril de 2012

Pezinhos à Chaplin!


Pezinhos à Chaplin!, diz a professora de ballet às suas bailarinas. Todas elas sabem, ao ouvir a ordem da professora, que devem colocar os seus pés para lados opostos criando uma linha reta.
Essa postura pertence à personagem de Charlie Chaplin, conhecida como Charlot – The Tramp. Desde sempre que a personagem se confunde com o realizador, ator e compositor.
Que personagem é esta? Charlot! Um vagabundo modesto e romântico? Um sem abrigo mudo e infantil? Um cómico íman de problemas? 
O Charlot é o menino que Chaplin foi quando ficou órfão à força devido ao enlouquecimento da sua mãe. É o menino que assistiu à obsessão da sua mãe em esmigalhar o pão para ter comer para si e para o seu irmão. É a criança que viu a loucura da sua mãe tomar conta da sua carreira como cantora. É a criança que se tornou cantor e comediante para sobreviver à vida.
Em O garoto de Chaplin (The Kid) de 1921 vemos um Charlot paternal que mostra o sofrimento da separação de um pai e um filho à semelhança da vida do próprio realizador. Em quase todos os filmes protagonizados pela sua personagem ícone a fome está presente, seja em A quimera do ouro (The Gold Rush) de 1925, na famosa cena em que o vagabundo come com o seu companheiro de aventuras um sapato cozido ou na cena em que o seu amigo completamente esfomeado vê Charlot na forma de uma galinha, ou ainda na curta metragem A vida de um cão (A dog’s life)de 1918 em que Charlot rouba comida para se alimentar e ao seu cão.
A velhice e o declínio na vida de um artista foram sombras que Chaplin viu na vida da sua mãe e que volta a abordar no filme Luzes da Ribalta (Lime Light)de 1952, onde um velho artista encontra uma nova esperança ao ajudar uma jovem bailarina a recuperar da depressão. 
As roupas gastas e sujas do the little tramp foram em tempos as roupas do menino que foi. Apesar de todo o sofrimento que podemos vivenciar ao ver os filmes de Charlie Chaplin sentimos ao mesmo tempo um humor genial e um sorriso especial. 
O sorriso genuíno do vagabundo é a maior dádiva e o maior conselho que Charlie Chaplin nos deixou.

Geraldine Chaplin & Oona Chaplin (filha e neta de Chaplin) cantam Smile

Smile, though your heart is aching. Smile, even though is breaking. When there are clouds in the sky you’ll get by. If you smile through your fear and sorrow. Smile and maybe tomorrow you’ll see the sun come shining through. Light up your face with gladness. Hide every trace of sadness. Although a tear may be ever so near. That’s the time you must keep on trying. Smile, what’s the use in crying? You’ll find that life it’s still worthwhile if you just smile. - Charlie Chaplin


quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Lisboa em Festa



É no mês de Junho que os bairros de Lisboa saem à rua para festejar os Santos Populares especialmente o mais querido dos lisboetas, o Santo António.
Porém, o desfile anual das Marchas Populares na Avenida da Liberdade no dia 13 de Junho não é só uma celebração. Este desfile faz parte da memória colectiva de Portugal. Basta ver o filme A Canção de Lisboa (1933) de José Cotinelli Telmo, ou o Pátio das Cantigas de Francisco Ribeiro (1942), e percebemos que esta tradição é uma característica importante da identidade colectiva deste país.

A origem das marchas populares

Lisboa é uma cidade muito importante para os portugueses por representar melhores oportunidades de vida. Também assim acontecia na década de 30, época em que as pessoas oriundas de outras cidades do país se juntavam num determinado bairro lisboeta. Assim, nasciam pequenas comunidades com origens em comum que por puro divertimento organizavam ranchos folclóricos.
José Leitão de Barros, considerado o “pai das marchas populares”, foi quem a 5 de Junho de 1932 anunciou o primeiro concurso de marchas populares no jornal Notícias Ilustrado da sua autoria. Esta ideia surgiu a partir de um desafio proposto pelo então director do Parque Mayer, Dr. Campos Figueira de Gouveia, pois era necessário arranjar um espectáculo capaz de mobilizar a atenção dos lisboetas. As colectividades de cada bairro foram convidadas a participar e toda a produção ficou a cargo do Parque Mayer.
A primeira edição das marchas populares teve apenas três bairros a participar: Alto do Pina, Bairro Alto e Campo de Ourique. Venceu a marcha de Campo de Ourique, que vestia trajes minhotos.
Marcha do Bairro Alto de 1950
No dia 5 de Junho de 1932, o Notícias Ilustrado relatava o entusiasmo e a alegria com que os alfacinhas receberam ao primeiro desfile das marchas populares: “Pelo entusiasmo que lavra entre os componentes daquelas colectividades, avalia-se desde já o sucesso formidável que vai ter a revivescência das velhas marchas populares que de cada bairro da cidade nas noites festivas dos Santos populares se encontravam no chafariz da antiga rua Formosa”.
No ano seguinte as marchas populares já tinham doze bairros a participar, cada um com a sua marcha, música, traje, coreografia de acordo com um tema inspirado num costume local ou característica do bairro. As canções eram populares e as suas letras estavam sujeitas a aprovação por parte da autarquia.
Rapidamente, as marchas populares passaram a fazer parte da cidade e  ajudaram, de certa forma, a criar uma identidade inspirada nos aspectos urbanos e no rurais da vida dos lisboetas. Este processo foi apelidado de “folclorização do Estado Novo Português” pelo investigador de História Contemporânea do Instituto de Ciências Sociais, Daniel Melo. Para este historiador as marchas populares são “(…) um exemplo singular de folclorização [que] ambicionam instalar uma tradição lisboeta, mas paradoxalmente recorrem, num momento inicial, a elementos pretensamente folclóricos de proveniência exógena (rural), e só depois reforçam os traços directamente associados à cidade”.
A celebração dos Santos Populares acontece em todo o país, mas foi em Lisboa que as marchas populares surgiram e é nesta cidade que elas continuam até aos dias de hoje.

O bichinho das marchas

Onze anos depois do surgimento das marchas populares de Lisboa, Nelson Pinto desfilava pela primeira vez pela Marcha do Bairro Alto. Foi na barriga da sua mãe, em 1943, que participou nesta tradição alfacinha e ganhou, então, o “bichinho”. “Acho que quando estamos a marchar o espectáculo é lindo!”, afirma Nelson.
Nelson Pinto
Aos vinte e dois anos Nelson voltava a desfilar pela marcha do Bairro Alto após ter sido dispensado da tropa devido aos seus problemas oftalmológicos.  Nelson tem agora 68 anos e é um motorista reformado que passa a maior parte do seu tempo na sede do Lisboa Clube Rio de Janeiro com os seus amigos e um companheiro da marcha.
Em 1965 a marcha do Bairro Alto tinha como tema os ‘Capotes Brancos’. Foi nesta marcha que Nelson se estreou, desta vez consciente do espectáculo que presenciava. “A primeira vez que marchei estava um bocado nervoso. Uns amigos meus acalmaram-me e depois como correu tudo bem, gostei muito. E a minha mãe quando me viu a desfilar ficou muito feliz!”, recorda Nelson.
Em 46 anos Nelson Pinto dedicou 4 meses por ano à marcha do Bairro Alto porque gosta de sentir o orgulho pelo seu bairro. No entanto, Nelson diz ter chegado a altura de deixar de marchar. Ainda assim não quer deixar de viver a noite das marchas. “Este ano já não vou marchar mais, mas vou assistir à mesma e quero ajudar no que for preciso.” Para Nelson as marchas populares dificilmente um dia acabarão, pois Nelson vê a importância desta tradição para os lisboetas e, também, para o turismo de Lisboa.
Desfilar na Avenida da Liberdade foi o desfile que sempre o pôs mais nervoso. “Fico mais nervoso na Avenida, porque está lá mais gente. É o pandemónio.” Quando acaba de desfilar a coreografia que demora apenas 15 dias a aprender, Nelson  vai jantar com os seus amigos e festeja. “Normalmente não espero pelos resultados com os outros. Já estou muito habituado, por isso alguém depois diz-me quem ganhou.”
Perder ou ganhar ou não é importante para Nelson. “O importante é participar, não fico triste se perder. Com tantos anos levo aquilo bem e dou sempre os parabéns aos que ganham. Alguns até são meus amigos, pois já me conhecem há muito tempo.” A modéstia de Nelson levou a Associação responsável pela organização desta marcha a pedir à Câmara Municipal de Lisboa um reconhecimento pelos 46 anos de dedicação altruísta de Nelson à Marcha do Bairro Alto.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

A frescura do dia das marchas



Rita Pereira
Naquela manhã de Junho, Rita Pereira acorda muito cedo e prepara tudo para o dia do desfile da marcha do Castelo no Pavilhão Atlântico. “Fico sempre com a sensação de que a manhã é fresca naquele dia. É quase Verão, mas há uma frescura especial naquele dia.”, conta Rita.
As marchas populares são apresentadas em duas etapas diferentes, uma no Pavilhão Atlântico onde todas as marchas desfilam, durante três dias, e são avaliadas por um jurí. Nesta avaliação, que vale 50%, é tido em conta toda a técnica apresentada nas coreografias e músicas e, também, a cenografia e figurinos do tema daquele ano. No dia 13 de Junho as marchas populares desfilam na Avenida da Liberdade para mostrarem aos lisboetas o seu espectáculo. O jurí também avalia esta etapa onde é decidido para que marcha vai o Prémio do Desfile da Avenida.

Rita Pereira tem 29 anos e é cenógrafa e figurinista da Marcha do Castelo desde 2004. Em 2005 não participou nesta marcha, mas a partir de 2006 tem participado sempre até aos dias de hoje. Além de criar a cenografia e os figurinos das marchas do Castelo, Rita fez parte durante os dois últimos anos da Comissão da Marcha do Castelo.
Deste modo, a marcha do Castelo tem sido uma constante na vida profissional de Rita, “A marcha para mim, profissionalmente, representa um trabalho muito criativo onde eu posso fazer, na verdade, tudo o que eu queira, tendo em conta os orçamentos. Mas, a nível criativo posso dar asas à imaginação.”
Rita nasceu em Lisboa e viveu sempre no Castelo. Todos os anos Rita via os marchantes do Castelo em Junho desfilarem debaixo da sua janela.
As marchas populares representam um trabalho contínuo e constante para todos os envolvidos nesta tradição lisboeta. É a seguir à entrega dos prémios das Marchas populares que acontece, normalmente, em Outubro, que toda a parte criativa começa. É necessário ter um tema que seja coerente em termos musicais e cenógrafos e que possa transmitir o espírito de cada bairro.
Figurinos da marcha 'O meu coração é do Castelo'
Em 2004, foi este o trabalho que Rita fez antes de apresentar o seu projecto à Comissão do Castelo e aos seus colaboradores. “Eu queria concorrer e não sabia como é que as coisas funcionavam, por isso resolvi inventar eu um tema. Tentei que fosse um tema alargado ao espectro do que seria a historia do castelo, ou seja, um tema  muito geral. Chamava-se ‘O meu coração é do Castelo’. E a partir deste tema estilizei várias épocas marcantes do castelo, por exemplo: os mouros, os reis e rainhas.”

 Hoje é Rita quem carrega malas e bagagens de figurinos e maquilhagens para criar e concretizar o sonhos daqueles habitantes do Castelo. “A nível pessoal é uma experiência muito diferente do que estou habituada no meu trabalho como cenógrafa e figurinista em teatros ou companhias, onde as pessoas são profissionais. Ali as pessoas são amadoras e é muito giro essa relação e a importância que tem aquilo que eu faço para eles e na vida deles. “

Uma marcha popular tem de ter 52 marchantes, dois suplentes, duas mascotes, dois padrinhos, 12 músicos, quatro aguadeiros e um porta estandarte. Todo o espectáculo inerente à marcha está regulamentado e tem cerca de mil regras a serem cumpridas. Assim, o processo de criação da marcha é complexo e trabalhoso, sendo que existem poucas pessoas a organizarem a marcha a tempo inteiro. “O ano passado éramos duas a organizar. E há muita coisa a tratar, o ideal seriam cinco pessoas. Há coreografias a serem feitas, deslocações, alimentações, entrevistas. São muitas coisas a serem tratadas. E os patrocínios são muito difíceis de encontrar.”, conta Rita.
A marcha do Castelo é apoiada monetariamente pela Junta de Freguesia do Castelo e, também, pela Junta de Freguesia de Santiago. “ A Câmara Municipal de Lisboa dá cerca de trinta mil euros a cada freguesia destinados às marchas. Só para os figurinos gastam-se cerca de dez mil ou quinze mil euros. Depois é preciso pagar a ensaiadores e coreógrafos que são pagos a cada ensaio e desfile. É necessário pagar ainda as cenografias. Tudo isso ultrapassa o valor.”  Deste modo, a marcha do Castelo tenta angariar dinheiro através de vendas de t-shirts, organizando arraiais e tentando arranjar patrocinadores. “É um bocadinho tentar fazer coisas espectaculares com casquinhas de ovos”.
Como elemento da Comissão da marcha do Castelo, Rita Pereira, refere apenas dois problemas na organização da marcha. Um problema monetário que a seu ver poderia ser mais facilmente resolvido com uma maior publicitação do desfile das marchas populares no Pavilhão Atlântico. “A EGEAG distribui bilhetes para nós vendermos e esse dinheiro fica para nós. Claro que há muitos bilhetes que são oferta para os marchantes, patrocinadores e participantes. Por isso restam muito poucos para vender e, além do mais, os bilhetes são apenas 5 euros. Aquilo está muitas vezes muito vazio e acho que lhes interessava publicitarem até porque haveria lucro.” E o outro problema refere-se à organização da marcha em si, como por exemplo: as costureiras não terem os figurinos prontos a tempo.

Percurso efectuado a pé pelos marchantes do Castelo
Depois de carregar malas e bagagens para o Castelo, começam os preparativos e começam, também, os problemas. “E começa-se  a ouvir-se frases como: ‘Ai que o fecho não fecha’. O stress vai aumentando á medida que a hora se aproxima”.
A hora aproxima-se e Rita e os marchantes têm de descer até à Sé de Lisboa para apanhar o autocarro que os leva até ao Pavilhão Atlântico. “Os autocarros não sobem até lá a cima, por isso andamos muito a pé e há sempre um grande espectáculo porque está toda a gente na rua a ver e a bater palmas.”  
Toda esta rotina se volta a repetir no dia 13 de Junho. Mas, desta vez é até à Avenida da Liberdade que os marchantes vão. “Depois de muita espera na Avenida, lá vão eles.” Segundo Rita, a marcha do Castelo é muito importante para os marchantes. “(…) significa mais do que possamos imaginar! Há pessoas ali com vidas muito complicadas e, por isso a marcha acaba por ter uma vertente social muito importante. Nós sentimos que elas precisam disto. São três ou quatro meses intensivos em que os marchantes vivem o entusiasmo e até mesmo o bairro vive a construção da marcha. A decoração das ruas é muito importante.”
No fim do espectáculo a marcha do Castelo sobe às suas muralhas, que estão fechadas nessa noite. Enquanto esperam pelos resultados todos festejam comendo sardinhas. “Ganhar ou perder é muito importante para nós. Não se ganha nada de específico, mas é muito prestigiante. Os marchantes não são profissionais e esforça-se muito, por isso se ficarmos em segundo já é triste.”
A última vez que a marcha do Castelo ganhou foi em 2009, com o tema ‘Xadrez dos Reis e Rainhas e das Conquistas’. O Castelo ganhou o prémio principal, o prémio dos figurinos e o da cenografia. “Apesar de não ser completamente nosso, porque foi dividido com Alfama, foi muito gratificante ver a alegria das pessoas”.



domingo, 12 de fevereiro de 2012

O assobio da saudade

A bicicleta do amolador
É sábado de manhã, a intensa luz do sol acorda-a. Ela sorri e fecha os olhos por breves momentos. É então que o ouve. O assobio que costuma confortá-la nas manhãs de sábado. Quando ela ouve aquele caraterístico som lembra-se de uma Lisboa que não conheceu.
Domingos Rodrigues tem 48 anos e é amolador em Lisboa, desde os seus 16 anos. Percorre as ruas desta cidade exaustivamente à procura de clientes. Por isso, conhece-a como a palma da sua mão.
O dia deste amolador começa bem cedinho. E, com o seu assobio, a sua Lisboa vai despertando mantendo-se genuína e autêntica.

Um dia de trabalho
São oito horas da manhã. Domingos vai buscar a sua bicicleta, que fica sempre bem guardada ao pé do posto da GNR de Entre Campos. Está pronto, então,  para começar o seu dia.
Empurrando a sua bicicleta de 50 quilos anda com  passo firme e cheio de esperança em encontrar clientes. Vai assobiando a sua flauta de Pan, também por vezes conhecida pela flauta do amolador. “Este apito que eu ando a apitar puxa pelos pulmões. Cansa muito e fico com a garganta bastante seca”, diz com um sorriso nos lábios.
Aprendeu o ofício com os seus tios que, por vezes, ainda trabalham na zona de Sintra. Desde muito novo que via os seus tios serem amoladores e foi natural para Domingos aprender este ofício, tendo demorado um ano a fazê-lo.
Domingos confessa que os dias de trabalho já lhe custam. “Já só saio dois dias ou três por semana. Normalmente fazemos 30 ou 40 quilómetros por dia. E como eu já tenho uma certa idade as pernas e o corpo sentem-se”.
“Já viu o que já andámos e ainda não houve um único cliente?”, constata Domingos depois de já duas horas de trabalho. Os clientes são cada vez mais raros e esporádicos, por isso Domingos acaba por trabalhar menos horas do que antigamente. Em vez de andar por Lisboa oito horas por dia anda apenas quatro ou cinco.
A sua esposa acompanha-o sempre. Paula Natércia tem 38 anos e toda a sua vida vendeu roupas em feiras. Hoje está a receber um subsídio do estado para ajudar nas despesas da sua família e, no seu tempo agora livre, vai ajudando o seu marido acompanhando-o pelas ruas de Lisboa.
Domingos Rodrigues
Paula e Domingos dizem que viver da profissão de amolador, hoje em dia, é impossível. Há vinte anos atrás Domingos tinha clientes certos. As costureiras, os alfaiates e as fabriquetas de roupa interior recorriam ao amolador mensalmente. Agora está tudo fechado e os sobreviventes recorrem ao amolador esporadicamente. “Havia muitas costureiras mas já morreram, porque também já eram velhotas. E depois ninguém aprende os ofícios, o pessoal novo não sabe trabalhar com uma faca ou com uma tesoura”, conta o senhor Domingos.
Finalmente, o dono de um restaurante aborda Domingos com duas facas para serem amoladas. De vez em quando Domingos ainda arranja alguns clientes que lhe trazem maioritariamente tesouras, facas e alguns chapéus de chuva. Pergunto-lhe sobre a ideia dos amoladores adivinharem chuva e Domingos responde-me divertido: “Ah, isso é só um ditado.

Ofício do amolador
Esta profissão foi introduzida em Portugal pelos galegos. Durante muitos anos os amoladores em Portugal eram espanhóis e percorriam as ruas de Lisboa com uma grande roda que tinha um mecanismo especial que lhes permitia afiar vários objectos.
Mais tarde os portugueses aprenderam este ofício e adaptaram-no. Em vez da roda que não lhes permitia andar muitos quilómetros com muita rapidez inventou-se a bicicleta do amolador.
Segundo Domingos e Paula, esta profissão está, também, relacionada com os tendeiros. “Os tendeiros eram os que faziam formas, grelhas, regadores, tabuleiros, torradeiras, fundos das panelas e cabides. Também vendiam escovas e pano a metro. A minha família era tendeira. Eu ainda aprendi a fazer formas, mas os meus irmãos não. Geralmente eram pessoas habilidosas mas não quer dizer que fosse a família inteira. Eram os chamados quinquilheiros. Temos até um dialecto, tal como os ciganos”.
Assim o amolador não amolava apenas. O amolador arranjava pratos de louça, soldava e metia os fundos às panelas.
Antigamente, Domingos tinha clientes certos o que lhe permitia cativá-los baixando os preços. Hoje os preços vão de um a cinco euros, dependendo da peça. “Quando eu comecei a trabalhar levava cinco escudos por cada tesoura ou faca, agora em média levo dois euros ou dois euros e meio. Já nem vale a pena fazer preços especiais. Não há clientes!


Lisboa do amolador
Domingos nasceu em Lisboa, mas viveu alguns anos da sua adolescência em Faro, no Algarve. Diz não ter saudades desses anos, pois não gosta do Algarve. Para Domingos voltar para Lisboa foi um desejo concretizado. “Quem me tira Lisboa, tira-me tudo. As pessoas cá são muito dadas, apesar de tudo.
É com um brilho nos olhos que relembra os tempos em que andava pendurado nos eléctricos e nos autocarros. Costumava vender pensos rápidos nas ruas quando era pequeno, por isso conhece Lisboa como ninguém.
Antigamente às três ou quatro da manhã havia tantas pessoas em Lisboa como hoje durante o dia, conta Domingos. ”As pessoas sentiam-se mais seguras. Passeavam e também compravam mais nas ruas.
Quando Domingos já era amolador, além de assobiar, costumava gritar, “Olha o amolador!”. Nos tempos antigos as pessoas viviam mais na rua e ouviam este chamamento. Agora Domingos diz que já não vale a pena, pois com os grandes prédios ninguém vai ouvir.
Lisboa mudou. Domingos cresceu. Ambos mudaram, mas têm uma ligação muito especial. O trabalho deste amolador devolve a esta cidade algum do seu passado.
Esta profissão está a extinguir-se, pois já quase ninguém recorre ao amolador. Domingos não vê melhores dias para a profissão que considera ser a sua paixão. Apesar das dificuldades quer continuar a ser amolador e a tentar resistir aos tempos modernos que parecem não incluir este ofício.
Domingos e Paula Natércia
Paula apoia o seu marido e considera esta profissão muito importante. “As pessoas deviam dar valor e não dão. Toda a gente gosta do assobio, mas ninguém nos liga. Este assobio é uma obra de arte, é uma recordação. Ouvimos e recordamos outros tempos. É uma coisa antiga e típica, tal como o fado e as comidas tradicionais.”
Já ao pé da estação de Roma – Areeiro, depois de cinco horas de trabalho, Domingos decide acabar com o seu dia de trabalho.
O casal vai voltar para casa e cuidar da sua horta, que criaram como forma de autosubsistência. Domingos regressa a casa feliz por fazer o que gosta e por oferecer a cada senhora que ia à janela observar o amolador, depois de ter ouvido o seu assobio, uma recordação de Lisboa.