Rita Pereira |
Naquela manhã de Junho, Rita Pereira acorda muito cedo e
prepara tudo para o dia do desfile da marcha do Castelo no Pavilhão Atlântico. “Fico sempre com a sensação de que a manhã
é fresca naquele dia. É quase Verão, mas há uma frescura especial naquele
dia.”, conta Rita.
As marchas populares são apresentadas em duas etapas
diferentes, uma no Pavilhão Atlântico onde todas as marchas desfilam, durante
três dias, e são avaliadas por um jurí. Nesta avaliação, que vale 50%, é tido
em conta toda a técnica apresentada nas coreografias e músicas e, também, a
cenografia e figurinos do tema daquele ano. No dia 13 de Junho as marchas
populares desfilam na Avenida da Liberdade para mostrarem aos lisboetas o seu
espectáculo. O jurí também avalia esta etapa onde é decidido para que marcha
vai o Prémio do Desfile da Avenida.
Rita Pereira tem 29 anos e é cenógrafa e figurinista da
Marcha do Castelo desde 2004. Em 2005 não participou nesta marcha, mas a partir
de 2006 tem participado sempre até aos dias de hoje. Além de criar a cenografia
e os figurinos das marchas do Castelo, Rita fez parte durante os dois últimos
anos da Comissão da Marcha do Castelo.
Deste modo, a marcha do Castelo tem sido uma constante na
vida profissional de Rita, “A marcha
para mim, profissionalmente, representa um trabalho muito criativo onde eu
posso fazer, na verdade, tudo o que eu queira, tendo em conta os orçamentos.
Mas, a nível criativo posso dar asas à imaginação.”
Rita nasceu em Lisboa e viveu sempre no Castelo.
Todos os anos Rita via os marchantes do Castelo em Junho desfilarem debaixo da
sua janela.
As marchas populares representam um trabalho contínuo e
constante para todos os envolvidos nesta tradição lisboeta. É a seguir à
entrega dos prémios das Marchas populares que acontece, normalmente, em
Outubro, que toda a parte criativa começa. É necessário ter um tema que seja
coerente em termos musicais e cenógrafos e que possa transmitir o espírito de
cada bairro.
Figurinos da marcha 'O meu coração é do Castelo' |
Em 2004, foi este o trabalho que Rita fez antes de apresentar
o seu projecto à Comissão do Castelo e aos seus colaboradores. “Eu queria concorrer e não sabia como é que
as coisas funcionavam, por isso resolvi inventar eu um tema. Tentei que fosse
um tema alargado ao espectro do que seria a historia do castelo, ou seja, um
tema muito geral. Chamava-se ‘O meu
coração é do Castelo’. E a partir deste tema estilizei várias épocas marcantes
do castelo, por exemplo: os mouros, os reis e rainhas.”
Hoje é Rita quem carrega malas e bagagens de figurinos e maquilhagens
para criar e concretizar o sonhos daqueles habitantes do Castelo. “A nível pessoal é uma experiência muito
diferente do que estou habituada no meu trabalho como cenógrafa e figurinista
em teatros ou companhias, onde as pessoas são profissionais. Ali as pessoas são
amadoras e é muito giro essa relação e a importância que tem aquilo que eu faço
para eles e na vida deles. “
Uma marcha popular tem de ter 52 marchantes, dois suplentes,
duas mascotes, dois padrinhos, 12 músicos, quatro aguadeiros e um porta estandarte.
Todo o espectáculo inerente à marcha está regulamentado e tem cerca de mil
regras a serem cumpridas. Assim, o processo de criação da marcha é complexo e
trabalhoso, sendo que existem poucas pessoas a organizarem a marcha a
tempo inteiro. “O ano passado éramos
duas a organizar. E há muita coisa a tratar, o ideal seriam cinco pessoas. Há
coreografias a serem feitas, deslocações, alimentações, entrevistas. São muitas
coisas a serem tratadas. E os patrocínios são muito difíceis de encontrar.”,
conta Rita.
A marcha do Castelo é apoiada monetariamente pela Junta de
Freguesia do Castelo e, também, pela Junta de Freguesia de Santiago. “ A Câmara Municipal de Lisboa dá cerca de
trinta mil euros a cada freguesia destinados às marchas. Só para os figurinos
gastam-se cerca de dez mil ou quinze mil euros. Depois é preciso pagar a
ensaiadores e coreógrafos que são pagos a cada ensaio e desfile. É necessário
pagar ainda as cenografias. Tudo isso ultrapassa o valor.” Deste modo, a marcha do Castelo tenta
angariar dinheiro através de vendas de t-shirts, organizando arraiais e
tentando arranjar patrocinadores. “É um
bocadinho tentar fazer coisas espectaculares com casquinhas de ovos”.
Como elemento da Comissão da marcha do Castelo, Rita Pereira,
refere apenas dois problemas na organização da marcha. Um problema monetário
que a seu ver poderia ser mais facilmente resolvido com uma maior publicitação
do desfile das marchas populares no Pavilhão Atlântico. “A EGEAG distribui bilhetes para nós vendermos e esse dinheiro fica
para nós. Claro que há muitos bilhetes que são oferta para os marchantes,
patrocinadores e participantes. Por isso restam muito poucos para vender e,
além do mais, os bilhetes são apenas 5 euros. Aquilo está muitas vezes muito
vazio e acho que lhes interessava publicitarem até porque haveria lucro.” E
o outro problema refere-se à organização da marcha em si, como por exemplo: as
costureiras não terem os figurinos prontos a tempo.
Percurso efectuado a pé pelos marchantes do Castelo |
Depois de carregar malas e bagagens para o Castelo, começam
os preparativos e começam, também, os problemas. “E começa-se a ouvir-se frases
como: ‘Ai que o fecho não fecha’. O stress vai aumentando á medida que a hora
se aproxima”.
A hora aproxima-se e Rita e os marchantes têm de descer até à
Sé de Lisboa para apanhar o autocarro que os leva até ao Pavilhão Atlântico. “Os autocarros não sobem até lá a cima, por
isso andamos muito a pé e há sempre um grande espectáculo porque está toda a
gente na rua a ver e a bater palmas.”
Toda esta rotina se volta a repetir no dia 13 de Junho. Mas,
desta vez é até à Avenida da Liberdade que os marchantes vão. “Depois de muita espera na Avenida, lá vão
eles.” Segundo Rita, a marcha do Castelo é muito importante para os
marchantes. “(…) significa mais do que
possamos imaginar! Há pessoas ali com vidas muito complicadas e, por isso a
marcha acaba por ter uma vertente social muito importante. Nós sentimos que
elas precisam disto. São três ou quatro meses intensivos em que os marchantes
vivem o entusiasmo e até mesmo o bairro vive a construção da marcha. A
decoração das ruas é muito importante.”
No fim do espectáculo a marcha do Castelo sobe às suas
muralhas, que estão fechadas nessa noite. Enquanto esperam pelos resultados
todos festejam comendo sardinhas. “Ganhar
ou perder é muito importante para nós. Não se ganha nada de específico, mas é
muito prestigiante. Os marchantes não são profissionais e esforça-se muito, por
isso se ficarmos em segundo já é triste.”
A última vez que a marcha do Castelo ganhou foi em 2009, com
o tema ‘Xadrez dos Reis e Rainhas e das Conquistas’. O Castelo ganhou o prémio
principal, o prémio dos figurinos e o da cenografia. “Apesar de não ser completamente nosso, porque foi dividido com Alfama,
foi muito gratificante ver a alegria das pessoas”.
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