Develop interest in life as you see it in people, things, literature, music - the world is so rich, simply throbbing with rich treasures, beautiful souls and interesting people. Forget yourself. - Henry Miller

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

A frescura do dia das marchas



Rita Pereira
Naquela manhã de Junho, Rita Pereira acorda muito cedo e prepara tudo para o dia do desfile da marcha do Castelo no Pavilhão Atlântico. “Fico sempre com a sensação de que a manhã é fresca naquele dia. É quase Verão, mas há uma frescura especial naquele dia.”, conta Rita.
As marchas populares são apresentadas em duas etapas diferentes, uma no Pavilhão Atlântico onde todas as marchas desfilam, durante três dias, e são avaliadas por um jurí. Nesta avaliação, que vale 50%, é tido em conta toda a técnica apresentada nas coreografias e músicas e, também, a cenografia e figurinos do tema daquele ano. No dia 13 de Junho as marchas populares desfilam na Avenida da Liberdade para mostrarem aos lisboetas o seu espectáculo. O jurí também avalia esta etapa onde é decidido para que marcha vai o Prémio do Desfile da Avenida.

Rita Pereira tem 29 anos e é cenógrafa e figurinista da Marcha do Castelo desde 2004. Em 2005 não participou nesta marcha, mas a partir de 2006 tem participado sempre até aos dias de hoje. Além de criar a cenografia e os figurinos das marchas do Castelo, Rita fez parte durante os dois últimos anos da Comissão da Marcha do Castelo.
Deste modo, a marcha do Castelo tem sido uma constante na vida profissional de Rita, “A marcha para mim, profissionalmente, representa um trabalho muito criativo onde eu posso fazer, na verdade, tudo o que eu queira, tendo em conta os orçamentos. Mas, a nível criativo posso dar asas à imaginação.”
Rita nasceu em Lisboa e viveu sempre no Castelo. Todos os anos Rita via os marchantes do Castelo em Junho desfilarem debaixo da sua janela.
As marchas populares representam um trabalho contínuo e constante para todos os envolvidos nesta tradição lisboeta. É a seguir à entrega dos prémios das Marchas populares que acontece, normalmente, em Outubro, que toda a parte criativa começa. É necessário ter um tema que seja coerente em termos musicais e cenógrafos e que possa transmitir o espírito de cada bairro.
Figurinos da marcha 'O meu coração é do Castelo'
Em 2004, foi este o trabalho que Rita fez antes de apresentar o seu projecto à Comissão do Castelo e aos seus colaboradores. “Eu queria concorrer e não sabia como é que as coisas funcionavam, por isso resolvi inventar eu um tema. Tentei que fosse um tema alargado ao espectro do que seria a historia do castelo, ou seja, um tema  muito geral. Chamava-se ‘O meu coração é do Castelo’. E a partir deste tema estilizei várias épocas marcantes do castelo, por exemplo: os mouros, os reis e rainhas.”

 Hoje é Rita quem carrega malas e bagagens de figurinos e maquilhagens para criar e concretizar o sonhos daqueles habitantes do Castelo. “A nível pessoal é uma experiência muito diferente do que estou habituada no meu trabalho como cenógrafa e figurinista em teatros ou companhias, onde as pessoas são profissionais. Ali as pessoas são amadoras e é muito giro essa relação e a importância que tem aquilo que eu faço para eles e na vida deles. “

Uma marcha popular tem de ter 52 marchantes, dois suplentes, duas mascotes, dois padrinhos, 12 músicos, quatro aguadeiros e um porta estandarte. Todo o espectáculo inerente à marcha está regulamentado e tem cerca de mil regras a serem cumpridas. Assim, o processo de criação da marcha é complexo e trabalhoso, sendo que existem poucas pessoas a organizarem a marcha a tempo inteiro. “O ano passado éramos duas a organizar. E há muita coisa a tratar, o ideal seriam cinco pessoas. Há coreografias a serem feitas, deslocações, alimentações, entrevistas. São muitas coisas a serem tratadas. E os patrocínios são muito difíceis de encontrar.”, conta Rita.
A marcha do Castelo é apoiada monetariamente pela Junta de Freguesia do Castelo e, também, pela Junta de Freguesia de Santiago. “ A Câmara Municipal de Lisboa dá cerca de trinta mil euros a cada freguesia destinados às marchas. Só para os figurinos gastam-se cerca de dez mil ou quinze mil euros. Depois é preciso pagar a ensaiadores e coreógrafos que são pagos a cada ensaio e desfile. É necessário pagar ainda as cenografias. Tudo isso ultrapassa o valor.”  Deste modo, a marcha do Castelo tenta angariar dinheiro através de vendas de t-shirts, organizando arraiais e tentando arranjar patrocinadores. “É um bocadinho tentar fazer coisas espectaculares com casquinhas de ovos”.
Como elemento da Comissão da marcha do Castelo, Rita Pereira, refere apenas dois problemas na organização da marcha. Um problema monetário que a seu ver poderia ser mais facilmente resolvido com uma maior publicitação do desfile das marchas populares no Pavilhão Atlântico. “A EGEAG distribui bilhetes para nós vendermos e esse dinheiro fica para nós. Claro que há muitos bilhetes que são oferta para os marchantes, patrocinadores e participantes. Por isso restam muito poucos para vender e, além do mais, os bilhetes são apenas 5 euros. Aquilo está muitas vezes muito vazio e acho que lhes interessava publicitarem até porque haveria lucro.” E o outro problema refere-se à organização da marcha em si, como por exemplo: as costureiras não terem os figurinos prontos a tempo.

Percurso efectuado a pé pelos marchantes do Castelo
Depois de carregar malas e bagagens para o Castelo, começam os preparativos e começam, também, os problemas. “E começa-se  a ouvir-se frases como: ‘Ai que o fecho não fecha’. O stress vai aumentando á medida que a hora se aproxima”.
A hora aproxima-se e Rita e os marchantes têm de descer até à Sé de Lisboa para apanhar o autocarro que os leva até ao Pavilhão Atlântico. “Os autocarros não sobem até lá a cima, por isso andamos muito a pé e há sempre um grande espectáculo porque está toda a gente na rua a ver e a bater palmas.”  
Toda esta rotina se volta a repetir no dia 13 de Junho. Mas, desta vez é até à Avenida da Liberdade que os marchantes vão. “Depois de muita espera na Avenida, lá vão eles.” Segundo Rita, a marcha do Castelo é muito importante para os marchantes. “(…) significa mais do que possamos imaginar! Há pessoas ali com vidas muito complicadas e, por isso a marcha acaba por ter uma vertente social muito importante. Nós sentimos que elas precisam disto. São três ou quatro meses intensivos em que os marchantes vivem o entusiasmo e até mesmo o bairro vive a construção da marcha. A decoração das ruas é muito importante.”
No fim do espectáculo a marcha do Castelo sobe às suas muralhas, que estão fechadas nessa noite. Enquanto esperam pelos resultados todos festejam comendo sardinhas. “Ganhar ou perder é muito importante para nós. Não se ganha nada de específico, mas é muito prestigiante. Os marchantes não são profissionais e esforça-se muito, por isso se ficarmos em segundo já é triste.”
A última vez que a marcha do Castelo ganhou foi em 2009, com o tema ‘Xadrez dos Reis e Rainhas e das Conquistas’. O Castelo ganhou o prémio principal, o prémio dos figurinos e o da cenografia. “Apesar de não ser completamente nosso, porque foi dividido com Alfama, foi muito gratificante ver a alegria das pessoas”.



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